Passado o Cristo-Rei, sintonizámos o velho rádio de pilhas nos 150.0 MHz da Nostalgia FM, em busca dum relato qualquer. A nossa preferência ia para o escaldante Alfarim – Marítimo Rosarense.
Mas no distrito de Setúbal já não há sarrdinha da boa nem choco frrito que não saiba a plástico, o Vítor Baptista nunca mais encontrou o brinco, o Barbas foi quase engolido pelo mar (que ponderou, e muito bem, os prós e os contras de levar aquela fartura capilar consigo) e de relatos… nada.
Previsivelmente, Carlos Cardoso está novamente ao leme do Vitórria. Mas há outras personagens que já não voltam, nem patrocinadores como a Mimosa, nem os largos equipamentos da Olympic, findos esses loucos anos 90. Façamos-lhes então justiça.
Silvino, esse mítico pigmeu das redes, mais elástico que uma pastilha Super Gorila, trocara a Costa Verde pela Costa Azul. Tentou ver como seriam as coisas mais a sul, se calhar no Norte eram todos gigantes e no Sul ele seria um Gulliver em Lilliput. Mas não. Um metro e meio, ou lá o que era, não significava grandeza em lado algum. Após ter sido espezinhado inadvertidamente pela equipa de infantis do Vitória, o máximo que Silvino conseguiu nas margens do Sado foi ostentar uma bela camisola de guarda-redes, tamanho XXS, comprada ao filho recém-nascido do Figueiredo, que tinha ido aos saldos da Pré-Natal.
Figueiredo, ou o orgulho de um aspecto completamente desmazelado e ligeiramente jaimado da cerquelha. Figueiredo não conhecia regras. Tudo o que se mexesse era para deitar abaixo. Não havia cá rodriguinhos. Não havia cá pentes. Não havia cá perfume. E depois, aquele sorriso provocante, aquela estranha sensação de estar a faltar um dente partido para compor o ramalhete. Figueiredo era punk, niilista e anárquico. Não havia grande sentido no jogo dele – a não ser o sentido único da cacetada a torto e a direito, o pontapé para os golfinhos no estuário e a ironia desbragada, semelhante à de um Bocage com os azeites.
Ao seu lado, Eric, o boer. Também gostava que lhe chamassem de Tinkler. De aspecto militar, o sul-africano mais famoso da margem sul impôs a sua lei pelo burgo onde outrora Luísa Todi afinou as goelas. Porém, com Eric não havia cantigas. A férrea ética de Eric, aprendida entre o caos de Joanesburgo e a selvajaria do Kruger Park, tanto era capaz de lhe granjear grandes amigos como grandes inimigos: quem fosse simpático com ele ainda era capaz de receber uma pepita de ouro contrabandeada do Transvaal como sinal de respeito; mas a quem lhe ousasse mostrar maus modos, Eric obrigava essa pessoa a visionar duas vezes seguidas o filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”, com legendas em boshimane, algo que fez com que Sessay estivesse sempre com as rastas de sobreaviso, à espera que uma messiânica Coca-Cola caísse do céu. Eric até gostava de jogar à bola, mas tudo tinha de ser feito mais em força e com uma velocidade semelhante à do Rochemback coxo.
Velocidade? Velocidade era com Aziz. Dribles eram com Aziz. Tapetes eram com Aziz. Aliás, dizem que foi este marroquino quem estendeu a passadeira vermelha para Rui Esteves entrar triunfalmente no Bonfim. O moscatel caía-lhe mal, dado que o seu estômago só tolerava kebabs sem molho e de confecção caseira. Aziz tornou a sua estadia por Setúbal numa espécie de Ramadão permanente e o seu sorriso eclipsou-se em menos de nada, tapado pelas longas melenas de Hernâni.
Hernâni, aqui convertido ao fenómeno grunge que também varreu o Sado, regressara a um estádio perto da praia, depois de uma relação mal resolvida com o volume monolítico que era Mozer. As coisas pareciam bem encaminhadas. Mas jogar na relva é uma coisa, jogar na areia é outra – um pouco como comparar Pearl Jam com Blind Zero. De resto, as afinidades com o “rock n’ roll lifestyle” não se esgotavam no plano estético e Hernâni quis ir mais longe, cheirando todas as oportunidades que lhe surgiam pela frente para ser um verdadeiro ídolo do povo. Tanto cheirou que se tramou: esta passagem por Setúbal revelou-se um “flop” e Hernâni ressacou pelo círculo central, nunca conseguindo sequer chegar junto às linhas.
Porém, as sementes tinham sido lançadas: Paulo Sérgio, agora bem mais anafado e sem os tiques de Sansão que o caracterizavam, também tinha sucumbido à moda grunge. Cabelos compridos, soltos pelo vento, rebeldes como um som saído de um suja garagem, contrastando com o genuíno fado do avançado português: muita parra, pouca uva, um ou outro golito quando o rei fazia anos, longe da magnificência do (con)sagrado Yekini. Mas dizem-nos que nos treinos o Paulo Sérgio era mesmo muito bom e chegou a cantar a “Daughter” dos Pearl Jam melhor que o próprio Eddie Vedder. E, no seu auge, fez um mosh histórico ao Hélio, apanhando-o distraído a espremer borbulhas no balneário.
Desligámos a rádio, mas não a nostalgia. O que vale é que ainda vai existindo um Leandro Carrijo por aqui e acolá, entre este ou aquele Laionel, perdido nas encostas da Arrábida.
Mas no distrito de Setúbal já não há sarrdinha da boa nem choco frrito que não saiba a plástico, o Vítor Baptista nunca mais encontrou o brinco, o Barbas foi quase engolido pelo mar (que ponderou, e muito bem, os prós e os contras de levar aquela fartura capilar consigo) e de relatos… nada.
Previsivelmente, Carlos Cardoso está novamente ao leme do Vitórria. Mas há outras personagens que já não voltam, nem patrocinadores como a Mimosa, nem os largos equipamentos da Olympic, findos esses loucos anos 90. Façamos-lhes então justiça.
Silvino, esse mítico pigmeu das redes, mais elástico que uma pastilha Super Gorila, trocara a Costa Verde pela Costa Azul. Tentou ver como seriam as coisas mais a sul, se calhar no Norte eram todos gigantes e no Sul ele seria um Gulliver em Lilliput. Mas não. Um metro e meio, ou lá o que era, não significava grandeza em lado algum. Após ter sido espezinhado inadvertidamente pela equipa de infantis do Vitória, o máximo que Silvino conseguiu nas margens do Sado foi ostentar uma bela camisola de guarda-redes, tamanho XXS, comprada ao filho recém-nascido do Figueiredo, que tinha ido aos saldos da Pré-Natal.
Figueiredo, ou o orgulho de um aspecto completamente desmazelado e ligeiramente jaimado da cerquelha. Figueiredo não conhecia regras. Tudo o que se mexesse era para deitar abaixo. Não havia cá rodriguinhos. Não havia cá pentes. Não havia cá perfume. E depois, aquele sorriso provocante, aquela estranha sensação de estar a faltar um dente partido para compor o ramalhete. Figueiredo era punk, niilista e anárquico. Não havia grande sentido no jogo dele – a não ser o sentido único da cacetada a torto e a direito, o pontapé para os golfinhos no estuário e a ironia desbragada, semelhante à de um Bocage com os azeites.
Ao seu lado, Eric, o boer. Também gostava que lhe chamassem de Tinkler. De aspecto militar, o sul-africano mais famoso da margem sul impôs a sua lei pelo burgo onde outrora Luísa Todi afinou as goelas. Porém, com Eric não havia cantigas. A férrea ética de Eric, aprendida entre o caos de Joanesburgo e a selvajaria do Kruger Park, tanto era capaz de lhe granjear grandes amigos como grandes inimigos: quem fosse simpático com ele ainda era capaz de receber uma pepita de ouro contrabandeada do Transvaal como sinal de respeito; mas a quem lhe ousasse mostrar maus modos, Eric obrigava essa pessoa a visionar duas vezes seguidas o filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”, com legendas em boshimane, algo que fez com que Sessay estivesse sempre com as rastas de sobreaviso, à espera que uma messiânica Coca-Cola caísse do céu. Eric até gostava de jogar à bola, mas tudo tinha de ser feito mais em força e com uma velocidade semelhante à do Rochemback coxo.
Velocidade? Velocidade era com Aziz. Dribles eram com Aziz. Tapetes eram com Aziz. Aliás, dizem que foi este marroquino quem estendeu a passadeira vermelha para Rui Esteves entrar triunfalmente no Bonfim. O moscatel caía-lhe mal, dado que o seu estômago só tolerava kebabs sem molho e de confecção caseira. Aziz tornou a sua estadia por Setúbal numa espécie de Ramadão permanente e o seu sorriso eclipsou-se em menos de nada, tapado pelas longas melenas de Hernâni.
Hernâni, aqui convertido ao fenómeno grunge que também varreu o Sado, regressara a um estádio perto da praia, depois de uma relação mal resolvida com o volume monolítico que era Mozer. As coisas pareciam bem encaminhadas. Mas jogar na relva é uma coisa, jogar na areia é outra – um pouco como comparar Pearl Jam com Blind Zero. De resto, as afinidades com o “rock n’ roll lifestyle” não se esgotavam no plano estético e Hernâni quis ir mais longe, cheirando todas as oportunidades que lhe surgiam pela frente para ser um verdadeiro ídolo do povo. Tanto cheirou que se tramou: esta passagem por Setúbal revelou-se um “flop” e Hernâni ressacou pelo círculo central, nunca conseguindo sequer chegar junto às linhas.
Porém, as sementes tinham sido lançadas: Paulo Sérgio, agora bem mais anafado e sem os tiques de Sansão que o caracterizavam, também tinha sucumbido à moda grunge. Cabelos compridos, soltos pelo vento, rebeldes como um som saído de um suja garagem, contrastando com o genuíno fado do avançado português: muita parra, pouca uva, um ou outro golito quando o rei fazia anos, longe da magnificência do (con)sagrado Yekini. Mas dizem-nos que nos treinos o Paulo Sérgio era mesmo muito bom e chegou a cantar a “Daughter” dos Pearl Jam melhor que o próprio Eddie Vedder. E, no seu auge, fez um mosh histórico ao Hélio, apanhando-o distraído a espremer borbulhas no balneário.
Desligámos a rádio, mas não a nostalgia. O que vale é que ainda vai existindo um Leandro Carrijo por aqui e acolá, entre este ou aquele Laionel, perdido nas encostas da Arrábida.
16 comentários:
Ah,saudoso Vitórria dos anos 90.
Imortalizado no ataque cinematográfico de Clint Marcellwood e Chiquinho "O Conde", onde Tico nunca se destacou (um neurónio sozinho nunca faz grande trabalho, e este apenas se limitou a testar o eco de um vazio imenso deixado pelo endeusado Rashid).
Abençoado pelo meio-campo de classe (to Tinkler, or not to Tinkler...) onde frequentemente se ouvia Filgueira (o Bugs Bunny do Sergipe) perguntar: "Pô Hêrnani,Sessay ou fica?" ou se podia comprovar a arte piscatória de Stevanovic (o infame artista da escamagem do chicharro e do charuteiro, o que mais tarde seria ponto a seu favor para ingressar na colossal União da Madeira).
Recordado pela sua defesa de betão, erigida por Brundin (o falso-rápido) e Nogueira (o Chuck Norris de além Tejo) e adocicada pelo cheiro a Crisanto do reggae de Elísio "Marley" Filho que impedia o frango quando a Tábua tinha caruncho.
Ah, o Vitórria...
Ganda Rodri e ganda Pinchas muy bien muy bien diria o Tonito entre um centro do Helio pa Lisnave e um remate do Kassoumov pa Setenave
Ps: enxerto da entrevista a Jorge Jesus "O Cruijff da Reboleira"
"Mas não vai um pouco em contraciclo com o que se viu no último Europeu, em que a maioria das equipas baixou as linhas e apostou numa espécie de "pressão baixa" em oposição à "pressão alta" que era moda há uns anos?
Sim, mas eu tenho as minhas próprias ideias. Por exemplo, fui o primeiro treinador do Mundo a defender zona nas bolas paradas. Já fazia isso no Amora há 20 anos. Tenho cassetes que o provam. Hoje todas as grandes equipas o fazem.
E porque razão começou a fazê-lo?
Porque quando comecei a ser treinador percebi que era tão importante a bola como o espaço."
Vale a pena ler tudo, palavra de Meirim
Fiquei com a lágrima no canto do Hélio,
A nostalgia está para o futebol como o Reinaldo para a grande área.
E Pinchas, se o teu texto fosse um jogador, seria um Rúbens Jr. Incisivo, criativo, rápido, e viciado em heroína.
"Sim, mas eu tenho as minhas próprias ideias. Por exemplo, fui o primeiro treinador do Mundo a defender zona nas bolas paradas. Já fazia isso no Amora há 20 anos. Tenho cassetes que o provam. Hoje todas as grandes equipas o fazem."
Isto é absolutamente divino. Merece um post, não?
Grande post, grandes comentários, grande Jesus!
Já agora, e para quem não leu o livro do Octávio, ele também lá diz que foi o primeiro a jogar em 4-2-3-1, táctica que ele inventou. E orgulha-se disso!
um post merece o seu BIGODE minino FITSZ,que farfalhossiçe farfalhoca...
Arménia Úrsula
Devíamos convidar o JJesus para fazer uns posts aqui. Eu não consigo chegar ao seu patamar, e reconheço-o humildemente.
Eu vou pela mesma casquilha. Perdão, cartilha.
Apesar de ter inventado a internet - numa quente tarde de Verão de 1977 - não me sinto à altura de competir com esse senhor/filho de Deus do humorismo futebolístico.
Acho que seria da mais elementar justiça se lhe oferecessemos o cargo de administrador do blog, sendo que nós apenas andaríamos aqui para lhe bater palmas e tecer loas.
Jesus não é apelido, é condição.
Não é Jorge Jesus, é Jorge = Jesus.
E ele fez o milagre da multiplicação dos cabelos castanhos/ ruivos/ cor indefinida onde antes só havia cor branca.
Foi ele que restaurou o Olex antes do Olex pensar em restaurar-se.
JJ e Messias
Manuel Jose e Allah
e
Cajuda e a Virgem
o
Espirito Santo joga nas Antas.
Um homem que colocou o Felgueiras a jogar como Barcelona so pode ser idolatrado.
Caro Fitzx
Prosa fantástica.
Um pequeno promenor...
Pior que obrigar o Eric a visionar duas vezes "Os deuses devem estar loucos"era massacrá-lo com a leitura de "Os guarda-redes morrem ao domingo",do violino Francisquinho.Ou será que morrem á segunda-feira de manhã?
Isto é que é dedicação à bola ...
Isto é que é gozar com a fuça dos gajos da bola...
quem faz este blog deve ser gordo,careca,de óculos e jogador frustrado...
@Violino:a prosa é de facto boa, mas não é minha. É do grande Rodrigues, que não o Washington.
@Vinagre: de facto sou jogador frustrado, mas é de basquetebol. De resto, ainda não sou portador dessas características tão abundantes nos relvados da distritaldo cautchú, mas daqui a uns anitos é bem provável que seja. E nessa altura poderei dizer: "Aquele gajo que jogava no Barça do Tâmega sob a asa protectora do bigode do Manuel Correia e da franja do Paulo Alexandre é que a sabia toda."
Um salvé avinagrado para si, com travo de Putnik.
As minhas desculpas ao Rodrigues que é sem dúvida um "fora-de-série"na matéria.Continue.
Gordo, careca, de óculos e jogador frustrado...? MEU DEUS!! É o Wozniak (do Futebol Cube DE Porto) quem escreve neste blog?!?!?!
Sim. E às vezes é o Baston.
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